quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

IAN FLEMING - O CRIADOR DE JAMES BOND

 
Ian Lancaster Fleming (Londres, 28 de maio de 1908Cantuária, 12 de agosto de 1964) foi um oficial da Inteligência Naval, jornalista e escritor britânico, mais conhecido por seus romances de espionagem da série James Bond. Fleming nasceu em uma família rica conectada com o banco mercante Robert Fleming & Co.; seu pai era um membro do parlamento de Henley de 1910 até sua morte em 1917 na Frente Ocidental durante a Primeira Guerra Mundial. Educado no Eton College, na Real Academia Militar de Sandhurst e nas universidades de Munique e Genebra, Fleming teve vários empregos antes de começar a escrever.

Enquanto trabalhava na Inteligência Naval Britânica durante a Segunda Guerra Mundial, Fleming foi envolvido nos estágios de planejamento das Operações Mincemeat e Golden Eye, com a primeira sendo realizada com sucesso. Ele também se envolveu no planejamento e supervisão de duas unidades de serviço ativas, a 30 Assault Unit e a T-Force. Seu serviço na guerra e sua carreira como jornalista lhe deram bases e conhecimentos para escrever doze romances de Bond e dois livros de contos.

As histórias de Bond estão entre os livros mais vendidos de todos os tempos, com mais de 100 milhões de cópias vendidas mundialmente. Fleming também escreveu a história infantojuvenil Chitty-Chitty-Bang-Bang e dois livros de não-ficção. Em 2008, o The Times o colocou na décima-quarta posição em sua lista dos "50 Maiores Escritores Britânicos desde 1945".

Ele foi casado com Ann Geraldine Charteris, que se divorciou do segundo Visconde de Rothermere como resultado de seu caso com o autor. Fleming e Charteris tiveram um filho, Caspar. Fleming fumava e bebia muito, e sofria de doença do coração; ele morreu em 1964, aos 56 anos, de um ataque cardíaco. Dois de seus livros de Bond foram publicados postumamente, e desde então outros cinco autores produziram romances com o personagem. A criação de Fleming já apareceu em vinte e cinco filmes, tendo sido interpretado por oito atores em um período de 50 anos.

Biografia


Nascimento e família




 
Ian Lancaster Fleming nasceu em 28 de maio de 1908, na 27 Green Street do rico bairro de Mayfair, em Londres.[1][2] Sua mãe era Evelyn St. Croix Rose e seu pai Valentine Fleming, membro do parlamento de Henley a partir de 1910.[3] Fleming era o neto do financista escocês Robert Fleming, que havia fundado o Scottish American Investment Trust e o banco mercante Robert Fleming & Co..[1][nota 1] Em 1914, no início da Primeira Guerra Mundial, Valentine se juntou ao Esquadrão "C", Queen's Own Oxfordshire Hussars, e subiu até a patente de major.[3] Ele foi morto pela artilharia alemã na Frente Ocidental em 20 de maio de 1917; Winston Churchill escreveu um obituário que foi publicado no The Times.[5] Por a família ser dona de uma propriedade em Arnisdale, Escócia, a morte de Valentine foi honrada no Memorial de Guerra de Glenelg.[6]

O irmão mais velho de Fleming, Peter (1907–1971), se tornou um escritor de viagens e se casou com a atriz Celia Johnson.[7] Peter serviu na Grenadier Guards durante a Segunda Guerra Mundial, depois sob o comando de Colin Gubbins para ajudar a estabelecer as Unidades Auxiliares, e se envolveu em operações atrás do fronte na Noruega e na Grécia.[7] Fleming também teve dois irmãos mais novos, Michael (1913–1940) e Richard (1911–1977), e uma meia-irmã nascida fora do casamento, a violoncelista Amaryllis Fleming (1925–1999), cujo pai era o artista Augustus John.[8] Amaryllis foi concebida durante um longo caso entre John e Evelyn Fleming que começou em 1923, seis anos após a morte de Valentine Fleming.[9]

Educação e primeiros anos


Em 1914, Fleming entrou na Durnford School, uma escola preparatódia em Isle of Purbeck, no condado de Dorset.[10][nota 2] Fleming não gostou de Durnford; sua vida incluia comidas intragáveis, sofrimento físico e intimidações vindas de colegas.[10]



 
Em 1921, Fleming foi matriculado no Eton College. Apesar de não ter sido um dos melhores alunos, ele se destacou no atletismo e manteve o título de Victor Ludorum por dois anos entre 1925 e 1927.[12] Ele também editou a revista da escola, The Wyvern.[1] Seu estilo de vida em Eton o fez entrar em conflito com E. V. Slater, seu senhorio, que desaprovava a atitude de Fleming, seu óleo capilar, o fato dele ter um carro e suas relações com as mulheres.[10] Slater convenceu a mãe de Fleming a tirá-lo de Eton e colocá-lo na Real Academia Militar de Sandhurst.[10] Ele passou menos de um ano em Sandhurst, saindo em 1927 sem conseguir uma patente, após ter contraído gonorreia.[12]

Em 1927, com o objetivo de preparar Fleming para entrar no Foreign and Commonwealth Office,[13] sua mãe o enviou para Tennerhof, em Kitzbühel, Áustria, uma pequena escola privada que funcionava com uma diciplina adleriana e era administrada pelo espião britânico Ernan Forbes Dennis e sua esposa, a escritora Phyllis Bottome.[14] Depois de melhorar suas habilidades linguísticas, ele estudou brevemente na Universidade de Munique e na Universidade de Genebra.[1] Enquanto estava em Genebra, Fleming começou um romance com Monique Panchaud de Bottomes, e eles ficaram noivos durante um curto período de tempo em 1931.[15] Sua mãe desaprovou e o fez terminar a relação.[16] Ele se inscreveu para entrar no Foreign and Commonwealth Office, mas falhou nas provas. Sua mãe novamente interveio em sua vida, falando com Sir Roderick Jones, chefe da agência de notícias Reuters. Em outubro de 1931, ele recebeu um emprego de sub-editor e jornalista na Reuters.[1] Em 1933, Fleming passou um período em Moscou, onde cobriu o julgamento stalinista de seis engenheiros da companhia britânica Metropolitan-Vickers.[17] Ele tentou marcar uma entrevista com o líder soviético Joseph Stalin, e ficou surpreso ao receber uma nota assinada por Stalin se desculpando por não poder conceder a entrevista.[18]

Fleming sucumbiu as pressões familiares e, em outubro de 1933, começou a trabalhar como banqueiro no financeiro da Cull & Co..[17] Em 1935, ele foi para a Rowe and Pitman, em Bishopsgate, como corretor de ações.[18] Fleming não teve sucesso nas duas empreitadas.[17][19]

No início de 1939, Fleming começou um caso com Ann O'Neill, que então era casada com o Barão O'Neill;[20] ela também estava tendo um caso com Esmond Harmsworth, o herdeiro de Lorde Rothermere, dono do Daily Mail.[21]

Segunda Guerra Mundial


Em maio de 1939, Fleming foi recrutado pelo Contra-Almirante John Henry Godfrey, Diretor da Inteligência Naval da Marinha Real Britânica, para ser seu assistente pessoal. Ele se juntou a organização integralmente em agosto de 1939,[22] com o codenome "17F",[23] trabalhando na Sala 29 d'O Almirantado.[24] O biógrafo de Fleming, Andrew Lycett, salienta que ele não tinha "qualificações óbvias" para a função.[1] Como parte do trabalho, Fleming foi designado na Reserva Naval Real em julho de 1939,[22] inicialmente como tenente,[24] porém promovido a comandante alguns meses depois.[25]

Fleming se mostrou muito valioso como assistente de Godfrey, destacando-se na administração.[1] Godfrey era conhecido como uma pessoa abrasiva que fez vários inimigos dentro do círculo do governo. Ele frequentemente usava Fleming como seu contato com outras seções da administração de guerra do governo, como o Serviço Secreto de Inteligência, o Executivo Político de Guerra, o Executivo de Operações Especiais, o Comitê Conjunto de Inteligência e o gabinete do Primeiro-Ministro.[26]

Pouco depois do início da guerra, Godfrey publicou um memorando em 29 de setembro de 1939 que foi escrito em grande parte por Fleming. Ele foi chamado de Memorando da Truta e comparava o engano de um inimigo na guerra com uma pesca com mosca.[27] O memorando continha vários esquemas para serem considerados no uso contra as Potências do Eixo para atrair os U-boots e os navios de superfície alemães até campos de minas.[28] O Número 28 da lista era uma ideia para implantar documentos falsos em um corpo que seria encontrado pelo inimigo; essa sugestão se tornou a base para a Operação Mincemeat, o plano bem sucedido de 1943 para encobrir a invasão aliada da Itália pelo Norte da África.[29] A recomendação foi intitulada: "Uma Sugestão (uma não muito boa)",[29] e continuava: "A sugestão a seguir é usada em um livro de Basil Thomson: um corpo vestido como um aviador, com despachos nos bolsos, poderia ser jogado na costa, supostamente de um paraquedas que não funcionou. Acredito que não há dificuldades em conseguir corpos no Hospital Naval, porém, é claro, deverá ser um fresco".[29]

Em 1940, Fleming e Godfrey contataram Kenneth Mason, professor de geografia da Universidade de Oxford, sobre a preparação de relatórios da geografia dos países envolvidos nas operações militares. Esss relatórios foram os precursores do Naval Intelligence Handbooks, produzidos entre 1941 e 1946.[30]

A Operação Ruthless, um plano para obter detalhes dos códigos Enigma usados pela Kriegsmarine, foi instigada por um memorando escrito por Fleming para Godfrey em 12 de setembro de 1940. A ideia era "obter" um bombardeiro alemão, tripulá-lo com uma equipe que falasse alemão, vestidos com uniformes da Luftwaffe, e derrubá-lo no Canal da Mancha. A tripulação então atacaria os alemães da equipe de resgate e levaria o barco com a máquina Enigma de volta para a Inglaterra.[31] Para o aborrecimento de Alan Turing e Peter Twinn em Bletchley Park, a missão nunca ocorreu. De acordo com a sobrinha de Fleming, Lucy, um oficial da Força Aérea Real disse que se eles jogassem um bombardeiro Heinkel no Canal da Mancha, ele provavelmente afundaria muito rápido.[32]

Fleming também trabalhou com o Coronel William J. Donovan, o representante oficial do Presidente Franklin D. Roosevelt para cooperação em inteligência entre Londres e Washington, D.C..[33] Em maio de 1941, Fleming acompanhou Godfrey em viagem aos Estados Unidos, onde ele ajudou a desenhar a planta do Gabinete do Coordenador de Informação, o departamento que virou o Office of Strategic Services e posteriormente a CIA.[34]

Entre 1941–42, Godfrey encarregou Fleming da Operação Golden Eye, um plano para manter uma estrutura de inteligência na Espanha se a Alemanha Nazista tomasse o país.[35] O plano de Fleming envolvia manter contato com Gibraltar e lançar operações de sabotagem contra os nazistas.[36] Em 1941, Fleming manteve contato com Donovan sobre o envolvimento dos americanos de maneira a impedir que os alemães dominassem os mares.[37]

30 Assault Unit


Em 1942, Fleming formou uma unidade de comandos chamada No. 30 Commando, ou 30 Assault Unit (30AU), composta por tropas especialistas em inteligência.[38] O trabalho da 30AU era estar próximo da linha de frente de um avanço – algumas vezes à frente – para apreender documentos de um quartel general previamente determinado.[39] A unidade era baseada em um grupo alemão liderado por Otto Skorzeny, que realizou atividades similares na Batalha de Creta em maio de 1941.[40] Fleming considerava a unidade alemã como "uma das inovações mais excepcionais da inteligência alemã".[41]

Fleming não foi para a batalha junto com a unidade, mas selecionou alvos e direcionou as operações a partir de um centro de comando.[40] No início, a unidade possuía apenas 30 homens, porém logo cresceu a cinco vezes esse tamanho.[41] A unidade estava cheia de comandos vindos de outras unidades, e eram treinados em combates sem armas e invasão.[40] No final de 1942, o Capitão (mais tarde Contra-Almirante) Edmund Rushbrooke substituiu Godfrey como chefe da Divisão de Inteligência Naval, e a influência de Fleming dentro da organização diminuiu, apesar dele ter mantido o controle da 30AU.[1] Fleming não era popular entre os membros da unidade,[41] que não gostavam do modo que ele os chamava, seus "Índios Vermelhos".[42]

Antes dos desembarques da Normandia, a 30AU operava principalmente no Mediterrâneo. Pelo seu sucesso na Sicília e na Itália continental, a 30AU se tornou muito respeitada na inteligência naval.[43][44] Em março de 1944, Fleming supervisionou a distribuição de inteligência para as unidades da Marinha Real em preparação para a Operação Overlord[45] e seguiu a unidade para a Alemanha depois de localizarem, dentro do Castelo Tambach, arquivos navais alemães de 1870.[46] Fleming visitou a 30AU no campo durante e após a Operação Overlord, especialmente depois do ataque a Cherbourg, porque ele estava preocupado que a unidade havia sido incorretamente usada como uma força de comandos comum ao invés de uma unidade de coleta de inteligência. Isso desperdiçou as habilidades especiais dos homens, arriscou suas seguranças em operações que não justificavam seu uso e ameaçou a vital coleta de inteligência. Depois disso, o uso dessas unidades foi revisto.[47] Fleming passou muito tempo durante essa viagem idnetificando oportunidades para a 30AU no Pacífico,[48] apesar da unidade não ter feito muito por causa da rendição do Japão.[49]

T-Force


O sucesso da 30AU fez com que, em agosto de 1944, fosse tomada a criação para criar a "Target Force", que ficou conhecida como T-Force. O memorando oficial, atualmente guardado nos Arquivos Nacionais em Londres, descrevia sua principal função: "Target Force = T-Force, para guardar e obter documentos, pessoas, e equipamentos com pessoal de combate e inteligência após a captura de grandes cidades, portos, etc. em território inimigo ou libertado".[50]




 
Fleming entrou no comitê que selecionava alvos para a unidade T-Force, e compilou livros listando todos, chamados de "Livros Negros", que eram entregues aos oficiais da unidade.[51] O componente de infantaria da T-Force era em parte formado pelo 5º Batalhão, King's Regiment, que apoiava o Segundo Exército.[52] A unidade era responsável por assegurar alvos de interesse para o exército britânico, incluindo laboratórios nucleares, centros de pesquisa de gás e cientistas de foguetes. A descoberta mais notável da unidade ocorreu durante o avanço contro o porto alemão de Kiel, onde capturaram o centro de pesquisa dos motores usados nos foguetes V-2, nos caças Messerschmitt Me 163 e nos U-Boots.[53] Fleming mais tarde usaria elementos das atividades da T-Force em suas obras, particularmente em seu romance Moonraker.[54]

Em 1942, Fleming participou de uma cúpula de inteligência anglo-americana na Jamaica e, apesar da chuva constante durante a viagem, ele decidiu viver na ilha assim que a guerra acabasse.[55] Seu amigo Ivar Bryce o ajudou a encontrar um terreno em Saint Mary onde, em 1945, Fleming mandou construir uma casa, que ele chamou de Goldeneye.[56] O nome da casa e da propriedade onde ele escreveu seus romances possui várias possíveis origens. O próprio Fleming mencionou sua Operação Golden Eye[57] e o romance de Carson McCullers, Reflections in a Golden Eye, além de bases navais britânicas e norte-americanas no Caribe.[56]

Pós-guerra


Depois de ser dispensado em maio de 1945, Fleming se tornou o Gerente de Relações Exteriores do grupo Kemsley, que na época era dono do The Sunday Times. Nesse cargo ele supervisionou a rede internacional de correspondentes do jornal. Seu contrato lhe permitia três meses de férias na Jamaica todos os anos durante o inverno.[1] Fleming trabalhou no jornal em tempo integral até dezembro de 1959,[58] porém continuou a escrever artigos e comparecer as reuniões semanais às terças-feiras até pelo menos 1961.[59][60]

Depois do primeiro marido de Ann Charteris ter morrido na guerra, ela esperava se casar com Fleming, porém ele recusou, preferindo ficar solteiro.[1] Em 28 de junho de 1945, ela se casou com o Esmond Harmsworth, 2º Visconde de Rothermere.[21] Mesmo assim, Charteris continuou seu caso com Fleming, viajando junto com ele para a Jamaica sob o pretexto de visitar seu amigo Noël Coward. Em 1948, ela deu à luz a primeira filha de Fleming, Mary, que morreu no parto. Rothermere se divorciou de Charteris em 1951 por causa de seu relacionamento com Fleming.[21] Eles se casaram no ano seguinte, mas mesmo assim, tanto Fleming quanto Charteris tiveram casos durante seu casamento; ela, mais notavelmente, com Hugh Gaitskell, Líder do Partido Trabalhista e da Oposição.[61] Fleming teve um longo caso com uma de suas vizinhas na Jamaica, Blanche Blackwell, mãe de Chris Blackwell da Island Records.[62]

Década de 1950


Fleming havia mencionado com amigos durante a guerra que adoraria escrever um romance de espionagem,[1] algo que ele conseguiu em um espaço de dois meses no ano de 1952 com Casino Royale.[63] Ele começou a escrever o livro em Goldeneye no dia 17 de fevereiro de 1952, tirando inspiração de suas próprias experiências e imaginação. Ele afirmou posteriormente que escreveu o romance para se distrair de seu iminente casamento com Charteris, grávida na época,[64] chamando seu trabalho de sua "obra terrível e estúpida".[65] Clare Blanchard, uma antiga namorada, o aconselhou a não publicar o livro, mas se ele fizesse que pelo menos usasse um pseudônimo.[66]

Durante os estádios finais de Casino Royale, Fleming permitiu que seu amigo William Plomer levasse uma cópia para ler, que comentou "até onde vejo, o elemento de suspense está completamente ausente".[67] Apesar disso, Plomer achou que o livro era promissor o bastante para enviar a cópia até a editora Jonathan Cape. Inicialmente, eles não ficaram tão entusiasmados com o romance, porém o irmão de Fleming, Peter, cujos livros eles publicavam, os convenceu a publicar a obra.[67]

Em 13 de abril de 1953, Casino Royale foi publicado no Reino Unido,[68] com uma capa desenhada pelo próprio Fleming.[69] Casino Royale foi um sucesso de vendas, com três tiragens sendo necessárias para suprir a demanda.[68][69][70]

O romance se centrava nas aventuras de James Bond, um oficial de inteligência do Serviço Secreto de Inteligência, comumente chamado de MI6. Bond também era conhecido por seu codenome, 007, e era um comandante da Reserva Naval Real. Fleming nomeou seu personagem a partir do ornitólogo norte-americano James Bond, um especialista em pássaros caribenhos e autor do guia de campo definitivo, Birds of the West Indies. Fleming, um observador de pássaros, tinha uma cópia do guia de Bond, e mais tarde disse a esposa do ornitólogo que, "O que me surpreendeu foi como esse nome anglo-saxão, nada romântico, breve e mesmo assim bem masculino era exatamente o que eu precisava, e em um segundo James Bond nasceu".[71] Durante uma entrevista para o The New Yorker em 1962, ele explicou: "Quando escrevi o primeiro em 1953, eu queria que Bond fosse um homem extremamente tedioso e desinteressante a quem coisas acontecem; eu queria que ele fosse um instrumento cego ... quando eu estava procurando um nome para meu protagonista, pensei, '[James Bond] é o nome mais maçante que eu já ouvi'".[72]




O esboço de Fleming mostrando seu conceito para o personagem de James Bond.

Fleming baseou sua criação em vários indivíduos que ele conheceu durante seu tempo na Divisão de Inteligência Naval na Segunda Guerra Mundial, e admitiu que Bond "era uma combinação de todos os agentes secretos e pessoas que eu conheci durante a guerra".[73] Dentre eles estava seu irmão, Peter, quem ele idolatrava,[73] e que esteve envolvido em operações atrás do fronte na Noruega e na Grécia durante a guerra.[7]

Além de seu irmão, vários outros inspiraram aspectos de Bond, incluindo Conrad O'Brien-ffrench, um espião que Fleming conheceu enquanto esquiava em Kitzbühel na década de 1930, Patrick Dalzel-Job, que serviu na 30AU, e Wilfred "Biffy" Dunderdale, chefe da divisão do MI6 em Paris e que usava abotoadoras, ternos sob medida e tinha um Rolls-Royce com motorista.[73][74] Sir Fitzroy MacLean foi outra possível inspiração para o personagem, baseado em seu serviço na guerra atrás das linhas inimigas nos Bálcãs, como também o agente duplo Duško Popov.[75] Uma das maiores influências para o personagem de Bond era o próprio Fleming, que colocou em Bond muitos de seus traços, incluindo seu handicap em golfe, seu gosto por ovos mexidos e o uso da mesma marca de artigos de higiene pessoal.[41] O comportamento de Bond, como seu gosto por golfe e jogos de azar, também vieram do próprio autor.[76]

Depois da publicação de Casino Royale, Fleming usou suas férias anuais em sua casa da Jamaica para escrever novas histórias de Bond.[1] Doze romances e duas coleções de contos foram publicados entre 1953 e 1966, com os dois últimos (The Man with the Golden Gun e Octopussy and The Living Daylights) sendo publicados postumamente.[77] Muito dos panos de fundo das histórias vieram de seus trabalhos na Divisão de Inteligência Naval ou de eventos da Guerra Fria que ele viu.[78] O enredo de From Russia, with Love usa a ficcional máquina decodificadora soviética Spektor para atrair Bond; o Spektor era baseado na máquina Enigma usada pela Alemanha na Segunda Guerra Mundia.[79] O dispositivo de enredo de espiões viajando no Expresso do Oriente foi baseado na história de Eugene Karp, um adido da marinha norte-americana e um agente de inteligência baseado em Budapeste que, em fevereiro de 1950, embarcou no trem de Budapeste para Paris carregando vários documentos obtidos por agentes norte-americanos no Bloco do Leste. Assassinos soviéticos o estavam esperando no trem. O condutor foi drogado e o corpo de Karp foi encontrado pouco depois em um túnel ao sul de Salzburgo.[80]

Muitos dos nomes usados nas histórias de Bond eram de pessoas que Fleming conhecia: Scaramanga, o principal vilão de The Man with the Golden Gun, foi nomeado em homenagem a um colega de Fleming do Eton College;[78] Goldfinger, do romance epônimo, foi tirado do arquiteto britânico Ernő Goldfinger, que Fleming detestava;[78] Sir Hugo Drax, de Moonraker, foi tirado de seu conhecido Almirante Sir Reginald Aylmer Ranfurly Plunkett-Ernle-Erle-Drax;[81] o assistente de Drax, Krebs, tem o mesmo nome que o último Chefe de Gabinete de Adolf Hitler;[82] e um dos vilões homossexuais de Diamonds Are Forever, "Boofy" Kidd, foi nomeado em homenagem a um dos amigos pessoais de Fleming – e parente de sua esposa – Arthur Gore, 8º Conde de Arran.[78]

O primeiro livro de não-ficção de Fleming, The Diamond Smugglers, foi parcialmente baseado na pesquisa que ele realizou para seu quarto romance de Bond, Diamonds Are Forever.[83] Muito do material já havia sido publicado no The Sunday Times, também sendo baseado em uma entrevista que Fleming realizou com John Collard, membro da Organização Internacional de Segurança dos Diamentes, que havia trabalhando anteriormente no MI5.[84] O livro foi recebido de forma mista no Reino Unido e nos EUA.[85]

Por seus cinco primeiros livros (Casino Royale, Live and Let Die, Moonraker, Diamonds Are Forever e From Russia, with Love), Fleming foi muito elogiado.[86] Isso começou a mudar em março de 1958 quando Bernard Bergonzi, no jornal Twentieth Century, atacou o trabalho Fleming alegando ser "uma sequência fortemente marcada por voyerismo e sado-masoquismo"[87] e escreveu que os livros mostravam "a total falta de qualquer referência ética".[87] O artigo comparava Fleming de forma pouco favorável a John Buchan e Raymond Chandler no critério moral e literário.[88] Um mês depois, Dr. No foi publicado, e Fleming recebeu severas críticas de vários comentaristas que, nas palavras do autor e historiador Ben Macintyre, "cercaram Fleming quase como uma matilha".[89] As críticas mais pesadas vieram de Paul Johnson, do New Statesman, que começou sua resenha com: "Acabo de terminar o que é, sem dúvida, o livro mais desagradável que eu já li".[90] Johnson escreveu que "quando faltava um terço para acabar, eu tive de suprimir fortes impulsos para não jogar a coisa longe".[90] Apesar de Johnson reconhecer que Bond "era um fenômeno social de alguma importância",[90] isso era um elemento negativo, já que o fenômeno envolvia "três ingredientes básicos de Dr. No, todos doentios, todos ingleses: o sadismo de um valentão da escola, os mecanismos bidmencionais dos anseios de um adolescente frustrado, e os desejos esnobes e crus de um adulto".[90] Johnson não viu nenhum ponto positivo em Dr. No, escrevendo, "O Sr. Fleming não tem nenhuma habilidade literária, a construção do livro é caótica, e incidentes e situações inteiras são inseridas, e esquecidas, de forma aleatória".[90]

O biógrafo de Fleming, Andrew Lycett, salienta que, por uma combinação de problemas conjugais e ataques ao seu trabalho, Fleming "entrou em declínio pessoal e criativo".[1] Goldfinger havia sido escrito antes da publicação de Dr. No, então seu livro seguinte a ser produzido após as críticas foi For Your Eyes Only, uma coleção de contos que eram adaptações de ideias escritas para uma série de televisão que nunca foi produzida.[91] Lycett também disse que, enquanto Fleming escrevia os roteiros televisivos e a coleção de contos, "O humor fatigado e a insegurança Ian começavam a afetar sua escrita", algo que pode ser visto nos pensamentos de Bond.[92]

Década de 1960


Em 1960, Fleming recebeu um pedido da Kuwait Oil Company para escrever um livro sobre o país e sua indústria petrolífera. O texto datilografado, State of Excitement: Impressions of Kuwait, nunca foi publicado por não ter sido aprovado pelo governo local. De acordo com Fleming: "A Oil Company expressou sua aprovação sobre o livro porém sentiram que era sua obrigação enviar o texto até os membros do Governo do Kuwait para aprovação. Os Xeques consideraram alguns leves comentários e críticas como desagradáveis e particularmente as passagens se referindo ao passado aventuresco do país que agora deseja ser 'civilizado' em todos os aspectos, esquecendo-se de suas origens românticas".[93]

Fleming seguiu o desapontamento de For Your Eyes Only com Thunderball, uma romantização de um roteiro para cinema que ele escreveu com outros. O trabalho começou em 1958 quando seu amigo Ivar Bryce lhe apresentou ao jovem escritor e diretor irlandês Kevin McClory, e os três, junto com Ernest Cuneo, amigo de Fleming e Bryce, começaram a escrever um roteiro.[85] Em outubro, McClory colocou o experiente roteirista Jack Whittingham na recém formada equipe,[94] e em dezembro de 1959, McClory e Whittingham enviaram a Fleming um roteiro.[95] Fleming começava a ter dúvidas sobre o envolvimento de McClory, e em janeiro de 1990, explicou sua intenção de mandar o roteiro para a MCA, com uma recomendação escrita por ele e Bryce que McClory fosse o produtor.[96] Ele também disse a McClory que se a MCA rejeitasse o roteiro por causa do envolvimento de McClory, ele então deveria se vender para a MCA, retirar a proposta ou abrir um processo em um tribunal.[96]

Entre janeiro e março de 1960, Fleming escreveu o romance Thunderball em Goldeneye, que era baseado no roteiro escrito por ele, McClory e Whittingham.[97] Em março de 1961, McClory leu uma cópia prévia, e ele e Whittingham imediatamente solicitaram uma liminar à Suprema Corte de Londres para impedir a publicação.[98] Depois de dois julgamentos, com o segundo ocorrendo em novembro de 1961,[99] Fleming ofereceu um acordo a McClory, terminando o processo. McClory ficaria com os direitos do roteiro e do filme, enquanto Fleming ficaria com os do romance, apesar de nele ter de constar "Baseado em um roteiro por Kevin McClory, Jack Whittingham e o Autor".[100]

Os livros de Fleming sempre venderam bem, porém em 1961 as vendas aumentaram drasticamente. Em 17 de março de 1961, quatro anos após sua publicação e três anos depois das severas críticas contra Dr. No, um artigo publicado na revsita LIFE listava From Russia, with Love como um dos dez livros favoritos do Presidente dos Estados Unidos John F. Kennedy.[101] Essa honra, e a publicidade que veio junto, levou a um surto de vendas que fez de Fleming o autor policial mais vendido nos Estados Unidos.[102][103] Fleming considerou From Russia, with Love como sendo seu melhor romance, mas admitiu, "o melhor é que cada um desses livros parece ser o favorito com uma ou outra seção do público, e nenhum até agora foi completamente definido".[79]

Em abril de 1961, entre os dois julgamentos sobre Thunderball e por preocupações acerca do resultado do caso,[1] Fleming sofreu um ataque cardíaco durante uma corriqueira reunião no The Sunday Times.[59] Durante seu tempo de recuperação ele começou a trabalhar em um romance infantojuvenil, Chitty-Chitty-Bang-Bang,[59] que seria publicado apenas em outubro de 1964, dois meses após sua morte.[104]

Em junho de 1961, Fleming vendeu os direitos cinematográficos de todos os seus romances e contos de James Bond (exceto Casino Royale, que já havia sido vendido), inlcuindo dos ainda não publicados, para o produtor Harry Saltzman.[98] Salzman subsequentemente chamou Albert R. Broccoli e a dupla co-produziu Dr. No, que foi lançado em 1962 através de sua produtora, a EON Productions.[105] Depois de uma longa procura, Broccoli e Saltzman contrataram Sean Connery para interpretar o papel principal de 007.[106] A interpretação de Connery como Bond em Dr. No afetou sua contraparte literária; em You Only Live Twice, o primeiro livro escrito após o lançamento de Dr. No, Fleming deu a Bond um maior senso de humor e antecedentes escoceses que não estavam presentes anteriormente.[107]

O segundo livro de não-ficção de Fleming foi publicado em novembro de 1963: Thrilling Cities,[108] uma reedição de uma série de artigos para o The Sunday Times baseados nas impressões de Fleming sobre várias cidades do mundo[109] em viagens feitas entre 1959 e 1960.[110] Em 1964, o produtor Norman Felton pediu para Fleming escrever uma série televisiva de espionagem, e o autor lhe deu várias ideias, inclindo os nomes dos personagens Napoleon Solo e April Dancer de The Man from U.N.C.L.E..[111] Entretanto, Fleming saiu do projeto após um pedido da EON Productions que queria evitar quaisquer problemas legais que poderiam acontecer se o projeto se sobreposse àlgum filme de Bond.[112]

Em janeiro de 1964, Fleming foi para Goldeneye para aquela que seria suas últimas férias e escreveu o primeiro rascunho de The Man with the Golden Gun.[113] Ele não ficou satisfeito e escreveu para William Plomer, o editor de seus romances, pedindo para que fosse reescrito.[114] Fleming ficou cada vez mais insatisfeito com o livro e planejou retrabalhá-lo em 1965, porém foi dissuadido por Plomer, que acreditava que ele estava viável para publicação.[115]

Morte





O túmulo e memorial de Fleming em Sevenhampton.

Fleming sempre fumou e bebeu muito durante sua vida adulta, e também sofria de doença do coração. Em 1961, ele sofreu um ataque cardíaco e lutou para se recuperar.[116] Em 11 de agosto de 1964, enquanto estava hospedado em um hotel de Cantuária, Fleming foi caminanhando até o Royal St George's Golf Club para almoçar e mais tarde jantou com amigos no hotel. O dia havia sido muito cansativo para ele, e Fleming desmaiou com outro ataque cardíaco pouco após o jantar,[116] morrendo na manhã do dia 21 de agosto de 1964 – dia do aniversário de doze anos de seu filho Caspar.[117][118] Suas últimas palavras registradas foram um pedido de desculpa para os motoristas da ambulância pela incoveniência,[119] dizendo "Lamento incomodá-los rapazes. Eu não sei como vocês andam tão rápido com o trânsito dessas estradas hoje em dia".[120] Fleming foi enterrado no cemitério da igreja do vilarejo de Sevenhampton, perto de Swindon.[121]

Os últimos dois livros de Fleming, The Man with the Golden Gun e Octopussy and The Living Daylights, foram publicados postumamente.[77] The Man with the Golden Gun foi publicado oito meses após sua morte e ainda não havia passado pelo processo completo de edição por Fleming.[122] Como resultado, a editora Jonathan Cape achou que o romance era pequeno e "fraco".[123] A Cape havia passado o manuscrito para Kingsley Amis ler nas férias, porém ela não usou suas sugestões.[123] Henry Chandler, o biógrafo de Fleming, salientou que o romance "recebeu resenhas educadas e tristes, reconhecendo que o livro havia sido deixado meio-terminado, e que assim não representava Fleming em seu melhor".[124] Seu último livro de Bond, Octopussy and The Living Daylights, foi publicado no Reino Unido em 23 de junho de 1966[125] e originalmente era uma coleção com dois contos.[125]

Em outubro de 1975, seu filho Caspar, aos 23 anos de idade, cometeu suicídio com uma overdose de drogas[126] e foi enterrado ao lado de seu pai.[121] A viúva de Fleming, Ann Charteris, morreu em 1981 e foi enterrada ao lado de seu marido e filho.[21]

Escrita


O autor Raymond Benson, que posteriormente escreveria vários romances de Bond, discute que os livros de Fleming podem ser divididos em dois períodos estilísticos distintos. Os livros escritos entre 1953 e 1960 tendiam a se concetrar no "clima, desenvolvimento de personagens e avanço do enredo",[127] enquanto que aqueles escritos entre 1961 e 1964 incorporavam mais detalhes e imagens. Benson discute que Fleming havia se tornado "um mestre condatador de histórias" na época que ele escreveu Thunderball em 1961.[125]

Jeremy Black divide a série baseado nos vilões que Fleming criou, uma divisão apoiada pelo também acadêmico Christoph Lindner.[128] Assim, os livros indo de Casino Royale até For Your Eyes Only são classificados como "histórias da Guerra Fria", com a SMERSH como antagonista,[129] antes do aumento das relações entre Leste e Oeste significarem que Ernst Stavro Blofeld e a SPECTRE haviam se tornado os inimigos de Bond em Thunderball, On Her Majesty's Secret Service e You Only Live Twice.[130][nota 3] Black e Lindner classificam os livros restantes – The Man with the Golden Gun, Octopussy and The Living Daylights e The Spy Who Loved Me – como as "histórias posteriores de Fleming".[132]

Estilo e técnica


Fleming comentou seu trabalho, "suspenses podem não ser literatua com L maiúsculo, mas é possível escrever aquilo que melhor descrevo como 'suspenses projetados para serem lidos como literatura'".[133] Ele afirmou que Raymond Chandler, Dashiell Hammett, Eric Ambler e Graham Greene foram influências.[134] William Cook do New Statesman considerou que James Bond era "a culminação de uma tradição importante, mas muito criticada da literatura inglesa. Enquanto jovem, Fleming devorou os contos de Bulldog Drummond, escritos pelo Tenente Coronel H. C. McNeile, e as histórias de Richard Hannay, escritas por John Buchan. Seu toque de gênio foi remontar essas aventuras antiquadas para se adequarem ao Reino Unido pós-guerra ... Em Bond, ele criou o Bulldog Drummond da era do jato".[76] Umberto Eco considerou que Mickey Spillane foi outra grande influência.[135]

Em maio de 1963, Fleming escreveu um artigo para a revista Books and Bookmen em que descrevia sua abordagem para escrever os livros de Bond: "Eu escrevo por três horas pela manhã ... e trabalho mais uma hora entre às seis e sete da tarde. Eu nunca corrijo algo e nunca olho para ver o que escrevi ... Seguindo minha fórmula, você escreve 2 000 palavras por dia".[133] Benson identificou aquilo que descreveu como "Varredura Fleming": o uso de "ganchos" ao final dos capítulos para aumentar a tensão e empurrar o leitor para o próximo.[127] Os ganchos se combinam com aquilo que Anthony Burgess chama de "um elevado estilo jornalístico"[136] para produzir "uma velocidade narrativa" que faz o leitor passar rapidamente pelos vários pontos da história.[137]

Eco analisou a obra de Fleming do ponto de vista de um estruturalista,[138] identificando uma série de oposições dentro das histórias que criam uma estrutura e narrativa, incluindo:[139]


  • Bond—M
  • Bond—Vilão
  • Vilão—Mulher
  • Mulher—Bond
  • Mundo Livre—União Soviética
  • Grã-Bretanha—Países não-saxões
  • Dever—Sacrifício

  • Cupidez—Ideais
  • Amor—Morte
  • Chance—Planejamento
  • Luxúria—Desconforto
  • Excesso—Moderação
  • Perverção—Inocência
  • Lealdade—Desonra

Eco também percebeu que os vilões de Bond costumam vir da Europa Central ou de países eslavos e mediterrâneos, sendo miscigenados e com "origens complexas e obscuras".[140] Eco descobriu que os vilões são geralmente assexuados ou homossexuais, inventivos, astutos, organizados e ricos.[140] Jeremy Black também percebeu o mesmo aspecto: "Fleming não usou inimigos de classe como seus vilões, ao invés disso apoiou-se em deformações físicas ou identidades étnicas ... Ademais, vilões estrangeiros usam servos e empregados estrangeiros ... Esse racismo reflete não apenas um tema de entre guerras na escrita, como os romances de Buchan, mas também a cultura literária generalizada".[141] A escritora Louise Welsh acha que o romance Live and Let Die "cutuca a paranoia que alguns setores da sociedade branca estavam sentindo" enquanto os movimentos dos direitos civis desafiavam o preconceito e a desigualdade.[142]

Fleming usou marcas famosas e detalhes do dia-a-dia para apoiar seu realismo.[133] Kingsley Amis chama isso de "o efeito Fleming",[143] descrevendo-o como "o uso imaginativo de informação, dessa forma a penetrante natureza fantástica do mundo de Bond ... [é] diminuída até uma realidade, ou pelo menos contra-equilibrada".[144]

Principais temas


Declínio do Reino Unido


Os romances de Bond foram escritos após a guerra, quando o país ainda era uma potência imperial.[145] Enquanto a seria progredia, o Império Britânico entrou em declínio; o jornalista William Cook salienta que "Bond alcovitava a auto-imagem cada vez mais insegura e inflada do Reino Unido, nos lisonjeando com a fantasia que Britannia ainda poderia dar um soco forte".[146] A perda de poder do Reino Unido é referenciada em vários romances e, em From Russia, with Love, isso é manisfestado nas conversas entre Bond e Darko Kerim quando o primeiro admite que na Inglaterra "nós não mais mostramos os dentes – apenas gengivas".[147][148] O tema aparece fortemente em You Only Live Twice, de 1964, durante conversas entre Bond e o chefe do serviço secreto de inteligência do Japão, Tiger Tanaka. Fleming estava ciente da perda de prestígio de seu país nas décadas de 1950 e 1960, particularmente após o Confronto Indonésia-Malásia, quando ele fez Tanaka acusar o Reino Unido de jogar fora o império "com as duas mãos".[148][149][150]

Black salienta que as deserções de quatro membros do MI6 para a União Soviética teve um grande impacto na imagem do Reino Unido perante os círculos de inteligência norte-americanos.[151] A última deserção foi a de Kim Philby em janeiro de 1963,[152] enquanto Fleming ainda estava escrevendo o primeiro rascunho de You Only Live Twice.[153] A reunião entre M e Bond é a primeira vez em doze romances que Fleming fala sobre as deserções.[154] Black argumenta que a conversa entre M e Bond permite que Fleming discuta o declínio do país, com as deserções do Caso Profumo em 1963 servindo como pano de fundo.[150] Duas deserções ocorreram pouco antes de Fleming começar a escrever Casino Royale,[155] e o biógrafo do autor, Andrew Lycett, percebe que o livro pode ser visto como a tentativa de Fleming "para refletir a perturbadora ambiguidade moral de um mundo pós-guerra que poderia produzir traidores como Burgess e Maclean".[156]

Pelo final da série, no romance The Man with the Golden Gun de 1965, Black observa que um inquérito independente foi feito pelo judiciário jamaicano, enquanto foi registrado que o MI6 e a CIA estavam agindo "sob a mais próxima ligação e direção do CID jamaicano": esse era o novo mundo da Jamaica independente, salientando ainda mais a queda do Império Britânico.[157] O declínio do país foi refletido no uso de equipamentos e pessoal norte-americanos por parte de Bond.[158] Geopolíticas incertas fizeram Fleming substituir a organização russa SMERSH pelo grupo terrorista internacional SPECTRE em Thunderball, permitindo o "mal sem restrições de ideologia".[159] Black diz que a SPECTRE dá certa continuidade ao restante das histórias da série.[129]

Efeitos da guerra


Um tema recorrente na série são os efeitos da Segunda Guerra Mundial.[160] O jornalista Ben Macintyre considera que Bond era "o antídoto ideal para a austeridade britânica do pós-guerra, raciocinando a iminente premonição da perda de poder",[161] em uma época que carvão e muitos itens como comida ainda estavam sendo racionados.[76] Fleming frequentemente usou a guerra como sinal para estabelecer o "bem" e o "mal" nos personagens:[82][162] em For Your Eyes Only, o vilão, Hammerstein, é um ex-oficial da Gestapo, enquanto que o simpático oficial da Real Polícia Montada do Canadá, Coronel Johns, serviu sob o comando de Bernard Montgomery no 8º Exército Britânico.[163] Similarmente, em Moonraker, Hugo Drax (Graf Hugo von der Drache) é um "nazista megalomâniaco que se disfarça de cavalheiro britânico",[164] e seu assistente, Krebbs, tem o mesmo nome que o último Chefe de Gabinete de Hitler.[82] Dessa forma, Fleming "explora outra antipatia cultural britânica dos anos 1950. Alemães, no rastro da Segunda Guerra Mundial, se tornaram outro alvo fácil e óbvio para má publicidade".[164] Enquanto a série progredia, a ameaça do ressurgimento da Alemanha foi superada pelas preocupações da Guerra Fria, e os romances mudaram seu foco de acordo.[165]

Camaradagem


Periodicamente na série, o tópico de camaradagem ou amizade aparece com o aliado que trabalha junto com Bond na missão.[166] Raymond Benson acredita que as relações que Bond tem com seus aliados "adiciona outra dimensão ao personagem, e, por fim, à continuidade temática dos romances".[167] Em Live and Let Die, a importância de aliados e amigos homens é mostrada com Felix Leiter e Quarrel, com a relação de Leiter e Bond sendo particularmente forte, dando um contra-ponto ao ataque de tubarão que o agente da CIA sofre durante a história e as respostas emocionais que Bond tem: Benson observa que "a lealdade de Bond para com seu amigo é tão forte quanto seu comprometimento com sua missão".[168] Em Dr. No, a relação entre Bond e Quarrel é mutualmente sentida. Quarrel é "um aliado indispensável".[169] Benson não vê nenhuma descriminação na relação entre os dois homens[170] e acha que Bond sente um remorso genuíno e tristeza pela morte de Quarrel.[171]

Relações anglo-americanas


Os romances de Bond também lidam com as relações anglo-americanas, refletindo o papel central dos EUA na defesa do Oeste.[172] Após o final da Segunda Guerra Mundial, tensões apareceram entre o governo britânico, que estava tentando manter seu império, e o desejo norte-americano para uma nova ordem mundial capitalista, porém Fleming não abordou isso diretamente, acabando por criar "uma impressão de normalidade nas ações do Reino Unido".[172] O autor e jornalista Christopher Hitchens salienta que "o paradoxo das histórias clássicas de Bond é que elas estão cheias de desprezo e ressentimento pela América e os americanos, apesar de serem superficialmente dedicadas a guerra anglo-americana contra o comunismo".[173] Apesar de Fleming estar ciente da tensão entre os dois países, ele não se focou muito.[160] Kingsley Amis, em seu livro The James Bond Dossier, aponta que "Leiter, uma nulidade como peça de caracterização ... ele, o americano, recebe ordens de Bond, o britânico, e Bond está constantemente se saindo melhor que ele".[174]

Em três romances, Goldfinger, Live and Let Die e Dr. No, é Bond que tem de resolver aquilo que é um problema norte-americano,[175] e Jeremy Black mostra que apesar de norte-americanos estarem sob ameaça em Dr. No, um agente britânico e um navio britânico, o HMS Narvick, são enviados com soldados britânicos para a ilha para resolver a situação no final do romance.[176] Fleming acabou ficando bem invejoso sobre os EUA, e seus comentários em You Only Live Twice refletem isso;[177] as respostas de Bond para os comentários de Tanaka refletem o declínio das relações entre o Reino Unido e os EUA – em contraste com a relação amigável e cooperativa de Bond e Leiter nos romances anteriores.[150]

Legado





O Aeroporto Internacional Ian Fleming, Boscobel, St. Mary, Jamaica.

Após a morte de Fleming, seus editores literários periodicamente contrararam outros autores para continuar os romances de James Bond. Durante o período entre 1957 e 1964, Fleming trabalhou intermitentemente com o escritor Geoffrey Jenkins em uma ideia de história para Bond. Depois da morte de Fleming, Jenkins recebeu um pedido da Glidrose Productions para escrever um romance de Bond, Per Fince Ounce, que nunca foi publicado.[178] Começando com Colonel Sun, escrito por Kingsley Amis sob o pseudônimo "Robert Markham", em 1968,[179] vários outros autores escreveram romances com o personagem, incluindo Sebastian Faulks, que recebeu um pedido da Ian Fleming Publications para escrever um novo romance de Bond que seria lançado no centenário de nascimento de Fleming em 2008.[180]

Durante sua vida, Fleming vendeu mais de trinta milhões de livros; o dobro desse número foi vendido apenas nos dois anos seguintes após sua morte.[1] Em 2008, o The Times o colocou na décima-quarta posição em sua lista dos "50 Maiores Escritores Britânicos desde 1945".[181] Em 2002, a Ian Fleming Publications anunciou o lançamento do prêmio CWA Ian Fleming Steel Dagger, entregue pela Crime Writers' Association para o melhor romance de espionagem, aventura ou suspense publicado no Reino Unido.[182]

A série de filmes de Bond produzidos pela EON Productions, que começou em 1962 com Dr. No, continuou após a morte de Fleming. Junto com outros dois filmes independentes, a EON já produziu vinte e três filmes com o personagem, com o último, Skyfall, sendo lançado em novembro de 2012.[183] A série da EON Productions já arrecadou US$ 5.089.726.104 (mais de US$ 12.360.000.000 com a inflação ajustada) mundialmente, sendo a segunda série de maior arrecadação da história, atrás apenas de Harry Potter.[184]

A influência de Bond no cinema e na literatura é evidente em filme e livros diversos como a série Austin Powers,[185] Carry On Spying[186] e o personagem Jason Bourne.[182] Em 2011, Fleming se tornou o primeiro escritor de língua inglesa a ter um aeroporto internacional nomeado em sua homenagem. O Aeroporto Internacional Ian Fleming, em Boscobel, Jamaica, foi oficialmente inaugurado em 12 de janeiro de 2011 pelo Primeiro-Ministro da Jamaica Bruce Golding e pela sobrinha de Fleming, Lucy.[187]






Trabalhos



























  • The Diamond Smugglers (1957)[191]
















  • Thrilling Cities (1963)[192]









 

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